Aqui cresci e vivo há tempo suficiente para me sentir
português e europeu. Entendo que Portugal deveria ter acautelado os seus
interesses de forma a que inviabilizasse a delapidação a que assistimos de
alguns sectores fundamentais da sua economia até há muito pouco tempo. Entendo
que Portugal deveria ter defendido, até ao limite do impossível, aquilo que é
genuinamente seu. O que ficou por fazer. E a avaliar pelas notícias da última
reunião do Conselho Europeu, em Bruxelas, muito mais continuará por fazer.
Texto de Paulo F. Silva, subscritor da Moção B
A verdade é que, tantos anos depois da adesão à CEE,
tardamos em perceber que a Democracia, tal como a conhecemos e com todas as
suas imperfeições, é o único sistema político em que é possível trabalhar no
mundo actual.
Tudo isto por causa do segundo referendo que a Irlanda vai
fazer ao mesmo documento. O primeiro-ministro irlandês consegue impor a
obrigatoriedade de um comissário por cada um dos estados-membros no futuro
colégio de comissários, por forma a que o seu país também possa ter direito a
um. E a UE, por proposta directa de Nicolas Sarkozy, aceita um regime de
excepção para Dublin em matérias como a autonomia fiscal, a neutralidade
militar e a interdição do aborto. Perfeito! E o documento a referendar, até
Novembro de 2009, é o mesmíssimo Tratado Reformador que, em Junho de 2008,
levou com um rotundo NÃO no único referendo que a UE permitiu.
Mais-que-perfeito!
O desarranjo eventualmente provocado pelo "não"
irlandês conserta-se e concerta-se, mesmo que em desespero, por via
institucional. Nem que seja preciso arrepiar caminho nas mais elementares
regras do jogo democrático.
Ignorando, apenas por facilidade de expressão, o teor do
documento a (re)referendar - que é amplamente contra a chamada Europa dos
Cidadãos - o que se pretende é vencer a dita "crise" das instituições
cavando, ainda mais, o fosso entre os europeus e as suas instituições. Mas
alguém acredita que a UE ultrapassará os seus problemas deste modo? E se os
irlandeses repetirem o "não"?
Sarkozy e tantos outros insistem em manter-se num patamar de
superior avaliação política, embora nunca sufragados. Talvez por isso tenha
chegado, finalmente, o momento de defendermos, uma vez mais, o NÃO da Irlanda
ao Tratado Reformador. "A "crise" decorrente seria de tal modo
profunda que obrigaria, quiçá, os senhores da Europa a entenderem que era
chegado o tempo de ouvir os povos da Europa e aceitar a eleição de uma
Assembleia Constituinte onde esses mesmos povos fizessem valer a sua voz e
identidade.
Paulo F. Silva
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