A esquerda, as esquerdas, e as palavras sobre palavras. PDF Imprimir e-mail
01-Jan-2009
c.jpgA persistência nas sondagens do BE e da CDU com soma das indicações de voto acima dos 20%, e as declarações não conclusivas de Manuel Alegre sobre o seu futuro político, têm feito correr muitas penas da opinião publicada, algumas com mais, outras com menos pena efectiva do que possa acontecer ao PS de Sócrates, com a eventual recomposição do campo político imediatamente à sua esquerda.

Texto de João Delgado, Subscritor da Moção C 

Sendo inconclusivas quanto à sua consubstanciação, as palavras de Alegre na Aula Magna foram claras sobre a necessidade de “uma perspectiva alternativa de poder”, defendendo que a “esquerda apresente políticas alternativas ao modelo neo-liberal e especulativo ainda dominante” e traçando prioridades que podem ser recordadas aqui.

Mas as palavras, e as palavras sobre as palavras, não mudam, per si, o quadro político-partidário, nem contribuem para a apresentação de uma alternativa de governo ao PS e à direita em 2009.

É bom que sejamos claros, lembrando que, embora a nossa Constituição não determine que o Presidente da República nomeie primeiro-ministro o líder do partido mais votado – mas sim “tendo em conta os resultados eleitorais” –, essa tem sido a prática, em primeira instância, desde as eleições legislativas de 1976. Recordemos também que Ramalho Eanes nomeou, entre 78 e 80, os governos Nobre da Costa, Mota Pinto e Lurdes Pintasilgo, de iniciativa presidencial, depois da ruptura da coligação governamental PS/CDS.

Não se pretende com esta breve visita ao passado insinuar que poderemos estar perante circunstâncias idênticas, na sequência das legislativas deste ano, até porque Cavaco Silva não tem manifestado, até à data, apetência para voltar à intervenção no quadro partidário. Veremos se a recente crise do Estatuto dos Açores proporciona alguma inversão na estratégia de colaboração entre o Presidente e Sócrates.

O que importa, neste momento, é sublinhar que Cavaco Silva dará posse a um governo do partido mais votado – que tudo indica será o PS – estando a composição desse executivo dependente da obtenção ou não da maioria absoluta. A evolução da crise económica e social, e as consequentes lutas populares, poderão, particularmente na hipótese de inexistência da famigerada maioria absoluta, proporcionar a queda desse governo, e a formulação de outras hipóteses, com participação do PSD e/ou PP, em nome da “governabilidade” do país.

Regressando ao tema deste texto, objectivamente, o caminho mais plausível para uma alternativa aos governos do “centrão” passaria então por uma convergência pré-eleitoral, constituída à esquerda, e que disputasse, de facto, a maioria social traduzida em votos. Esta é a via que já defendemos na anterior Convenção, acreditando que, a ter sido encetada em tempo útil, poderia ter conduzido a outra solução, diversa da que agora se nos aparece como inevitável, a de impedir a repetição da maioria absoluta do PS.

É exactamente neste contexto que dizemos na Moção C que “no quadro político nacional não reconhecemos à direita e ao PS o monopólio da unidade, enquanto à esquerda se persiste na divisão que impossibilita a constituição de alternativas políticas viáveis”. E é só pela existência deste contexto, que não desejávamos, que defendemos que “o Bloco de Esquerda apresentará candidaturas próprias às eleições legislativas de 2009, com base num programa contra a crise”.

Significa isto, para total e irrefutável clarificação, que não alterámos a nossa posição acerca da premência da unidade à esquerda para disputar o poder, pelo contrário, lamentamos que não tenham sido dados os suficientes passos nesse sentido, e que assim tenhamos chegado a este ano, que se anuncia como o da mais grave crise do capitalismo, sem capacidade de propor aos portugueses novo governo e novas políticas para o país.

É certo que os votos das diferentes forças de esquerda não se adicionam automaticamente, não existindo sequer (ou não sendo conhecidos) estudos que analisem a reacção do eleitorado a uma eventual convergência pré-eleitoral. Mas o óbice fundamental é a inexistência de um programa comum e de vontade política de quebrar esse último tabu, o da proposta política global, em ruptura com o status quo vivido nestas três décadas de democracia.

E aos que nos repetem que o caminho se faz caminhando, perguntamos, quão longo é esse caminho? Tem destino?

 

João Delgado

 

 
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