O CONSERTO INSTITUCIONAL À MARGEM DOS POVOS
03-Jan-2009

b.jpgAqui cresci e vivo há tempo suficiente para me sentir português e europeu. Entendo que Portugal deveria ter acautelado os seus interesses de forma a que inviabilizasse a delapidação a que assistimos de alguns sectores fundamentais da sua economia até há muito pouco tempo. Entendo que Portugal deveria ter defendido, até ao limite do impossível, aquilo que é genuinamente seu. O que ficou por fazer. E a avaliar pelas notícias da última reunião do Conselho Europeu, em Bruxelas, muito mais continuará por fazer.

Texto de Paulo F. Silva, subscritor da Moção B 

A verdade é que, tantos anos depois da adesão à CEE, tardamos em perceber que a Democracia, tal como a conhecemos e com todas as suas imperfeições, é o único sistema político em que é possível trabalhar no mundo actual.

Tudo isto por causa do segundo referendo que a Irlanda vai fazer ao mesmo documento. O primeiro-ministro irlandês consegue impor a obrigatoriedade de um comissário por cada um dos estados-membros no futuro colégio de comissários, por forma a que o seu país também possa ter direito a um. E a UE, por proposta directa de Nicolas Sarkozy, aceita um regime de excepção para Dublin em matérias como a autonomia fiscal, a neutralidade militar e a interdição do aborto. Perfeito! E o documento a referendar, até Novembro de 2009, é o mesmíssimo Tratado Reformador que, em Junho de 2008, levou com um rotundo NÃO no único referendo que a UE permitiu. Mais-que-perfeito!

O desarranjo eventualmente provocado pelo "não" irlandês conserta-se e concerta-se, mesmo que em desespero, por via institucional. Nem que seja preciso arrepiar caminho nas mais elementares regras do jogo democrático.

Ignorando, apenas por facilidade de expressão, o teor do documento a (re)referendar - que é amplamente contra a chamada Europa dos Cidadãos - o que se pretende é vencer a dita "crise" das instituições cavando, ainda mais, o fosso entre os europeus e as suas instituições. Mas alguém acredita que a UE ultrapassará os seus problemas deste modo? E se os irlandeses repetirem o "não"?

Sarkozy e tantos outros insistem em manter-se num patamar de superior avaliação política, embora nunca sufragados. Talvez por isso tenha chegado, finalmente, o momento de defendermos, uma vez mais, o NÃO da Irlanda ao Tratado Reformador. "A "crise" decorrente seria de tal modo profunda que obrigaria, quiçá, os senhores da Europa a entenderem que era chegado o tempo de ouvir os povos da Europa e aceitar a eleição de uma Assembleia Constituinte onde esses mesmos povos fizessem valer a sua voz e identidade.

Paulo F. Silva