Metamorfoses e transformação
08-Jan-2009

a.jpgAo longo dos últimos dois anos, Manuel Alegre mudou a face do debate à esquerda. Depois de uma candidatura presidencial à revelia da direcção do PS e com mais de um milhão de votos, Alegre transformou uma crítica partidária interna num debate público sobre a ortodoxia liberal que domina o Partido Socialista. Essa divergência concretizou-se em sucessivos votos no parlamento e em importantes iniciativas editoriais e públicas, como a revista Ops! ou as sessões do Teatro da Trindade e da Aula Magna.

Luís Fazenda, Subscritor da Moção A

Serão muitas as leituras sobre a necessária recomposição da esquerda. O nascimento do Bloco foi sem dúvida um momento fundador desse processo. Hoje, uma resposta forte à crise económica passa pela capacidade de convergência na recusa do programa social-liberal - privatização, precariedade, subsídio ao capital financeiro - e na afirmação de novas políticas em defesa do emprego, dos serviços públicos, do poder de compra.

O dado novo que o Bloco sublinha é que vêm do PS muitas das vozes que, como Manuel Alegre, têm assumido a crítica da governação, em defesa do SNS, da escola pública, dos direitos do trabalho ameaçados pelo código laboral. E é isso mesmo que faz soar o alarme nas hostes socráticas: esta fractura enfraquece a ofensiva e desorganiza o consenso do centrão. Manuel Alegre sabe-o e assume-o em nome da sua ideia de esquerda.

Pelo contrário, certa "ala esquerda" deste consenso corre em defesa do governo. "Que distância", exclama Paulo Pedroso, "entre a imutabilidade deste Bloco e a metamorfose dos Verdes alemães nas duas últimas décadas!". Não podemos estar mais de acordo: a conversão liberal e militarista dos Verdes de Joshka Fisher, que governaram com Schroeder, extinguiu aquele partido como alternativa e ajudou a abrir caminho ao actual governo de bloco central comandado pela direita. Na Alemanha, a esperança mora hoje no partido Die Linke, de Oskar Lafontaine, bem à esquerda do SPD/Verdes. Também por cá, a recomposição da esquerda implica clarificações essenciais, em vez de corformismos como o de Pedroso, defensor do Código Vieira da Silva/Van Zeller ou do alinhamento com a NATO.

A recente iniciativa da Aula Magna, com a riqueza dos temas que definem a esquerda hoje, mostra que é este o itinerário dos debates convergentes: política a política, alternativa a alternativa, tomando o partido da maioria da população, a mais desfavorecida. Esse é o compromisso da esquerda, um projecto de poder - o poder de transformar a vida. Ninguém espere do Bloco um mero certificado de metamorfose.